Após treze dias de uma controvérsia judicial que autorizava o desmatamento de 74,7 mil hectares na Estação Ecológica de Uruçui-Una, o desembargador Dioclécio Sousa da Silva, do Tribunal de Justiça do Piauí (TJPI), decidiu suspender a medida anteriormente expedida por seu colega, José James Gomes Pereira. A área, que integra uma Unidade de Conservação Federal administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), no município de Baixa Grande do Ribeiro, estava sob ameaça de destruição com a liberação para a retirada de vegetação nativa.
A suspensão da liminar anterior foi justificada pela violação de princípios legais na decisão de José James, que, segundo Dioclécio, comprometia a confiança pública no sistema jurídico e administrativo. “Essa postura coloca o Judiciário em uma posição delicada, gerando desconfiança na ordem estabelecida”, declarou o desembargador em sua sentença.
A decisão de José James é vista como parte de uma série de medidas judiciais polêmicas que têm favorecido grupos acusados de grilagem de terras no Piauí, o que levanta suspeitas sobre a atuação de setores do Judiciário em prol de interesses privados. No caso específico de Uruçui-Una, ele havia determinado que o Instituto de Terras do Piauí (INTERPI) emitisse uma Certidão de Regularidade Dominial (CRD) a favor de empresas investigadas por fraude documental, mesmo com alertas sobre a ilegalidade dos títulos.
Conflitos entre órgãos estaduais e a Justiça
Ao ser intimada para agilizar a liberação da licença ambiental, a Secretaria de Meio Ambiente do Estado (SEMARH) resistiu à ordem, destacando em nota pública que os processos relacionados às terras em questão apresentavam "pendências e irregularidades". A Procuradoria Geral do Estado (PGE) também se manifestou contra a decisão judicial, criticando o sigilo imposto ao processo, o que teria prejudicado a transparência e o debate público.
A PGE, em sua argumentação, classificou o sigilo judicial como um "ardil de má-fé" que comprometeu a capacidade do Estado de defender seus interesses no caso. A Procuradoria pediu a anulação da liminar e a retirada do sigilo, o que foi acatado pelo desembargador Dioclécio Sousa, devolvendo a discussão ao campo público.
Interesse econômico e desmatamento no Cerrado
A Estação Ecológica Uruçui-Una, criada em 1981 para proteger uma área estratégica do Cerrado, tem sido alvo de pressões econômicas nos últimos anos. Localizada em um corredor biológico de extrema importância, a unidade ocupa cerca de 135 mil hectares e abriga uma rica biodiversidade que inclui elementos da Caatinga e da Mata Atlântica.
No entanto, sua proteção vem sendo ameaçada pela expansão do agronegócio, especialmente pelo interesse de grandes empresas que buscam explorar suas terras para atividades agrícolas. Investigações da Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR) revelaram a presença de agentes públicos e multinacionais envolvidos em esquemas de grilagem de terras na região, incluindo grandes conglomerados que operam em parceria com fundos de pensão internacionais.
Essas ações ilegais não se restringem apenas à exploração econômica. Pesquisas acadêmicas, como o estudo "Antropização do bioma Cerrado na Estação Ecológica Uruçui-Una", do pesquisador Pereira A.C., já apontavam desde 2007 a urgência de medidas de preservação para conter a devastação da área, que tem sofrido desmatamento crescente.
Ausência de gestão e vulnerabilidade da Estação
Mesmo após mais de quatro décadas de sua criação, a Estação Ecológica Uruçui-Una ainda enfrenta uma série de desafios estruturais. A unidade carece de um Plano de Manejo adequado, além de infraestrutura e pessoal suficientes para garantir sua proteção. Dentro da reserva, 104 famílias continuam vivendo na área (segundo levantamento de 2015), agravando ainda mais as dificuldades de preservação.
Apesar desse cenário, há esforços para melhorar a gestão da unidade. Simone Kássia de Moura, chefe da estação, está em tratativas para a criação do Conselho da Estação e a elaboração do aguardado Plano de Manejo, que visa garantir um controle mais rigoroso e eficiente sobre o uso dos recursos naturais.
Grilagem e destruição ambiental: uma ameaça persistente
A destruição do Cerrado piauiense segue impulsionada pela ação de grileiros, grandes fazendeiros e empresas multinacionais. O relatório “Os Custos Ambientais e Humanos do Negócio da Terra” (2018), da Rede de Justiça Social, expôs como o capital internacional, por meio de fundos de investimento e agências de risco, está avançando sobre terras da região do MATOPIBA, incluindo o Piauí. Ao lado desses grupos, a atuação de figuras públicas, como o desembargador José James, tem facilitado a liberação de grandes áreas para exploração, mesmo em detrimento das populações tradicionais e da biodiversidade local.
Em 2021, por exemplo, José James desbloqueou 124 mil hectares de terras rurais no Piauí, que estavam sob bloqueio judicial devido a irregularidades fundiárias. O desbloqueio resultou em um aumento significativo do desmatamento na região e em confrontos com comunidades tradicionais, que foram forçadas a abandonar suas terras.
Os impactos dessa política de facilitação são devastadores. A SEMARH, em uma de suas fiscalizações recentes, aplicou multas que ultrapassaram R$ 7 milhões, mas encontrou resistência jurídica para fazer valer suas sanções. Um dos casos mais emblemáticos foi o da Fazenda Kajubar, que desmatou ilegalmente 1.315 hectares e, apesar de multada, teve sua punição suspensa por decisão judicial de José James.
As informações foram trazidas através de reportagem do Correio Diário que, em sua publicação, destacou ainda que:
"Dossiê da grilagem no Cerrado piauiense
Na pesquisa da AATR, os advogados mostram como funciona a grilagem no Cerrado. No caso do De Carli o esquema era usar laranjas, cooptar os cartórios da região e firmar acordo com o judiciário. A justiça estima que ele conseguiu, através de fraudes, registrar mais de trezentos mil hectares de terras no Sul do Piauí, segundo revelou o site “Repórter Brasil em 18.09.2018”.
Com a morte de Carli, a viúva, Maria Cecília De Carli, passou a comandar os negócios da família e em 2022, entrou com recursos para desbloquear a matricula de várias propriedades adquiridas no esquema de grilagem de terras em Santa Filomena, bloqueada pela segunda vez em 16/06/23 pela Vara Agrária de Bom Jesus em decorrência de crimes ambientais.
Mais uma vez chama atenção o comportamento do desembargador José James que havia desbloqueado a mesma matrícula em 07/07/2023, voltando a bloquear em 21/09/2023, depois da interferência da Promotoria da Vara Agrária de Bom Jesus e da SEMARH. Segundo os advogados, ele próprio reconheceu sua atitude considerando que exagerou ao determinar que a SEMARH deixasse de fiscalizar aplicação da lei ambiental. Ocorre que dois meses após a decisão, o magistrado voltou a desbloquear a fazenda, mesmo estando a licença ambiental suspensa por meio da Portaria nº 218 de 06/09/2023, publicada no diário oficial do Estado no dia 11/09/2023.
Procurado através da Assessoria de Comunicação do Tribunal de Justiça, informou que juízes não dão entrevistas seguindo orientação da Lei Orgânica da Magistratura-LOMAN, que garante aos magistrados manifestasse somente nos autos judiciais. A Corregedoria Geral de Justiça também foi procurada e informou que caberia ao Tribunal de Justiça se manifestar.'
CONFIRA A DECISÃO JUDICIAL:
Decisao-Dioclecio-Suspensao-do-MS_240902_085446.pdf
Fonte: Com informações do Correio Diário